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AULA DE MORTE E DELAÇÃO PREMIADA

São tantos os temas que preciso falar de dois hoje. Comecemos pela delação premiada. Trata-se de matéria processual de aplicação recente no Brasil, ganhando fama através da Operação Lava Jato. O fundamento jurídico é antigo: para persecução da justiça, o Estado pode conceder benefícios a quem resolve cooperar com suas investigações, apontando pessoas, fatos e apresentando provas. Como prêmio, aplicam-se ao delator penas alternativas em substituição às convencionais. Assim, um condenado pode sair de um regime fechado para o domiciliar, passando a ser vigiado a remoto através de meios eletrônicos.

Quando vimos os primeiros beneficiados com essa medida na Lava Jato, aplaudimos, afinal, a justiça prosseguia sua marcha rumo aos principais envolvidos. Agora, o benefício começa a incomodar. A cada dia, um novo “chefe” ganha o direito de cumprir pena em casa. Então, perguntamos: quando isso vai parar? Ora, se cada importante personagem desse enredo for beneficiado dessa forma, vai sobrar prisão comum para alguém? Pelo jeito, não, salvo peixes miúdos. Nesse ritmo, daqui a pouco a grande maioria, senão todos, estará curtindo suas mansões, cercadas por mil seguranças. Nessa hora, ficará bem claro que o crime compensa, sim.

Sobre arquivos proibidos, acredito que precisamos de regulação legal ou, pelo menos, maior eficácia da lei. Ontem, um companheiro de Facebook era alvo de críticas por haver postado fotos com os corpos do acidente aéreo recente de Belém. São imagens chocantes, que multiplicam a dor de parentes, amigos e de quem preza ainda pela solidariedade. E assim tem sido com acidentes de toda ordem. É preciso um tratamento legal que puna quem divulga e quem compartilha coisas dessa natureza. Nenhum de nós gostaria de ver pessoas queridas do nosso convívio expostas assim na cena de suas mortes trágicas.

Eu sempre vou discordar dos penalistas que retiram todos os direitos dos que morreram nessa esfera jurídica. Para estes, mesmo no vilipêndio de cadáver, o objeto jurídico protegido é cem por cento voltado para os sobreviventes. Não penso assim. Mesmo sabendo que as pessoas vivas que têm vínculo com alguém falecido devem ser protegidas pelo direito – como tratei acima – a memória e a honra não terminam com a morte. É impressionante que monumentos e outras coisas mortas sejam declaradas patrimônios da humanidade, ao passo que o corpo de um ser humano inerte seja desprovido de qualquer valor jurídico em si mesmo.

Então, se o nosso direito reconhecesse que, mesmo mortas, as pessoas têm o direito de não serem expostas, a coisa poderia ser diferente. Imagine expor uma pessoa na cena trágica de um crime ou acidente. Eu sei que os criminalistas dirão que não há objeto jurídico porque, no direito penal, o direito começa com a vida e termina com a morte e, sendo assim, não haveria como o morto se defender. Sim, naturalmente não teria. Porém, o que faz o direito no caso de ausência de uma pessoa? Como lida com a questão dos incapazes? Bem, de algum modo, alguém estaria credenciado a falar em nome de quem é exposto dessa forma tão aviltante.

Áudios de avião que caíram, desapareceram ou explodiram. Pra que deixar isso vir para o domínio público? Qual a contribuição? Resposta: pânico de viajar e outras interferências desnecessárias no emocional coletivo. É triste ouvirmos uma pessoa pedindo socorro quando sabemos que, segundos depois, estará morta, quando não podemos fazer nada. Mas a gente liga o noticiário aberto, e está lá. Pra quê? Mesmo primando pela liberdade de informação, existem fatos que só deveriam ser conhecidos por pessoas habilitadas. Para que essa aula de morte nos telejornais, que descrevem passo a passo da tragédia, levando a gente a embarcar num mundo emocional doentio?

Publicado no jornal O Liberal em 5/7/16