ARTIGOS EM JORNAISÚLTIMAS NOTÍCIAS

O PETRÓLEO NÃO É NOSSO

O petróleo não é nosso

 

  Publicado no jornal O Liberal em 28/7/2015

 

O escândalo da Petrobrás nos faz refletir sobre essa questão nacionalista que sempre envolveu a exploração do petróleo no Brasil, mormente no começo. E nos faz pensar também no fato de ser essa exploração uma das maiores loucuras do ser humano na era moderna.

Inicialmente, o governo brasileiro não acreditava que o nosso subsolo contivesse petróleo. São famosas as querelas entre o governo de Getúlio Vargas e o escritor Monteiro Lobato. O criador do Sítio do Picapau Amarelo cria que o Brasil tinha essas jazidas minerais, pois nosso território está rodeado de poços de petróleo pelos países vizinhos. Venceu Lobato. O Brasil descobriu que tem uma grande riqueza submersa, isso a partir do primeiro poço, em 1941, na Bahia.

Doravante, o Brasil passaria aos poucos a depender menos do petróleo importado. Foi criado o Conselho Nacional do Petróleo. Monopólio estatal, não se permitia a participação de terceiros. Isso ruiu com o advento da Agência Nacional do Petróleo e um corpo de leis que favoreceram o ingresso da iniciativa privada em praticamente todas as fases desse negócio, desde a pesquisa até a comercialização final.

A Petrobrás virou símbolo da grandeza nacional. Maior orgulho. Virou prova que um país terceiro-mundista pode ocupar o ranking das maiores economias nacionais em determinados segmentos. Mas, de repente, aos nossos olhos, o ouro negro sumiu. Milhões e milhões voltaram ao pélago profundo. Orçamentos astronômicos, capazes de sustentar economias importantes durante um bom tempo. É assim que se diz: o escândalo da Petrobrás é o maior de todos, o mais vil, o mais orquestrado, o escândalo dos escândalos, equivalente ao orgulho que nos enchia o peito e nos levava a gritar que o petróleo era nosso.

Não. O petróleo não é nosso. Nem do Brasil. Nem do Oriente. O petróleo é o sangue da humanidade morta. Sangue de vegetais e minerais. Sangue de animais que desceram à região dos mortos, de onde nunca deveria ser retirado.

A notícia da existência de petróleo remonta à Antiguidade. O velho Noé já usava betume para calafetar a Arca. No Oriente, o primeiro cemitério da humanidade sempre foi farto desse depósito, até o ponto de fazer jorrar aqui e ali. Não muito diferente do Brasil, onde temos o terreno mais antigo do mundo. Sim, o nosso território arqueológico é um dos mais primitivos. É por isso que não temos terremotos nesta área do globo. O Brasil é um grande abrigo para esses cataclismas naturais. Naturalmente, razão tinha Monteiro Lobato de defender a existência do mar de ouro negro em nosso subsolo.

Mas a exploração do petróleo é mesmo uma das maiores loucuras do gênero humano em tempos modernos. A pior loucura, provavelmente. Não deveríamos mexer com os mortos. Se antes eram árvores, gente, bicho e pedra, que aprofundaram a superfície para formar um registro além, deveríamos respeitar essas gerações passadas da arqueologia, e não trazês-la de volta à crosta da Terra.

Terrível. Hoje o nosso mundo corre risco de extinção por causa do petróleo. Ele tem sido a causa de muitas guerras. Pelo poder de alguns ricos exploradores, o Oriente é um dos piores espaços democráticos do mundo. Nações inteiras vivem a opressão dos marajás dos poços petrolíferos. O resultado final é poluição. Desgraça. Os Estados Unidos são os que mais poluem. Nossa fina atmosfera está asfixiada pela poluição do petróleo.

Lembramos muito bem que o Brasil estava prestes a se tornar modelo de nação ecologicamente correta. Nosso projeto de biodiesel estava pronto. Plantações de cana-de-açúcar dariam empregos a milhares de pessoas, ao mesmo tempo em que lucraríamos muito e não poluiríamos o mundo. Mas o governo não gosta de plantar. Nossos políticos são imediatistas. Querem tudo para hoje ou, no máximo, até a duração do mandato.

A descoberta da camada Pré-sal é uma das piores contradições brasileiras recentes. O projeto do biodiesel, cantado em prosa e verso pelo presidente Lula em torno do mundo, foi declarado natimorto. Abortado perante os olhos mercenários da Petrobrás. Taí no que deu. Hoje, estamos no topo da contradição do petróleo, trazendo a morte para cima da Terra, mexendo com o que deveríamos deixar quieto. E, ainda, nem podemos mais nos orgulhar, porque o petróleo não é nosso, coisíssima nenhuma. Na verdade, não é nosso mesmo.O petróleo é mesmo o sangue escurecido das eras passadas. Inventamos a roda. Deveríamos ter inventado também uma forma de girá-la, sem necessidade de acordar essa história jazida nas profundezas.

 

Rui Raiol é escritor (www.ruiraiol.com.br)