Ilusões mentais
Todos nós vivemos duas modalidades de vida: uma real e outra imaginária. A porção real diz respeito ao nosso corpo, suas leis, necessidades e limites. A imaginária está centrada em nossa mente e sua fertilidade em pensar e sentir. Desse conjunto, resultará a pessoa que somos.
Olho uma pessoa caminhando na rua e admiro-me de que todo o mundo, para essa pessoa, está circunscrito naquela porção de matéria. Ali estão alegria, tristeza, aspirações, ódio, ansiedade, medo, esperança, fé… Tudo. Todavia, apesar da vital importância do corpo, é a cabeça que nos dirige, algumas vezes contra esse próprio corpo.
É interessante que o corpo seja a parte mais “próxima” da gente, mas nem sempre seja a que recebe mais atenção. Na verdade, vivemos muitas ilusões mentais. Nossa mente fantástica pinta um quadro que não encontra correspondência junto à porção física que somos. Segundo nosso mundo de ideias, podemos nos sentir muito importantes, ricos, poderosos. Na verdade, somos um coração em batidas decrescentes. Máquina programada por Deus. Ruído vital.
Olhemos o drama de Hugo Chávez, que governa a Venezuela com mão de ferro. Ali, temos um governo de ilusões mentais. Ideias de grandeza. Nacionalismo arrogante. Tentativas de erguer muros mentais contra o “imperialismo” americano, fechando canais de televisão, proibindo isto e aquilo. Um “grande” governo. Invencível. E, agora, um governo do corpo. Do homem limitado, doente, mortal como qualquer alma. Quem, realmente, tem poder no mundo?
Chávez reconheceu que se descuidou um pouco do corpo. E das ideias? Certamente, não. Ele mantém o mesmo discurso entusiasta. “Até à vitória!” é seu grito de poder. Qual a causa desse descuido chavista? Ilusões mentais.
Gosto sempre de visitar a balança. Vou ali para conferir o que de fato sou, enquanto ser vivo, biológico, corpo. No meu caso, sessenta e cinco quilos cravados de matéria. Corpo delimitado pela pele. Nada mais. Não existo um milímetro fora desse rascunho vivo. Como posso pensar que sou alguma coisa? Não sou nada além desses quilos de carne e osso. Mais osso.
Ilusões mentais tratam o corpo erroneamente. Dizem: “Tu és belo, forte, vais sobreviver de qualquer jeito, porque és muito importante. Tu governas e me dás prazer. Tu és melhor do que os outros corpos. Agora, nas férias, quero te ver feliz, para impressionar os outros.” E o corpo rebate: “Estás enganada, cabeça, isso é ilusão tua. Minha beleza é interior, mas tu nunca viste. Por fora, eu não sou nada. Depois da pele, não posso fazer nada por ti. Preciso ser respeitado. Sem fumaça de cigarro, álcool ou qualquer droga, que tu chamas de “curtição”. Até ao Sol eu tenho intolerância. Meu governo e minhas leis são outras” .
Dentro de uma abordagem física, somos apenas matéria. Mesmo sabendo de nossa composição tripartite em espírito, alma e corpo, é este o carro-chefe. Tudo lhe é sujeito nesta vida. A alma e o espírito estão presos nele.
A vida começa e termina com o corpo. Nascemos e morremos assim, pela força e debilidade da matéria. Mas, no decorrer da vida, as ilusões da mente nos transportam a outras coisas. Então, ficamos tão preocupados, aflitos e ansiosos. Depois, a gente vê que tudo se arranja. Que tudo encontra jeito depois uma breve existência. Com o passar dos anos, vamos descobrindo que somos mesmo é corpo. E já não ligamos tanto para as ilusões da mente. Preferimos a vida real.
Rui Raiol é escritor (www.ruiraiol.com.br)
*Publicado no jornal O Liberal em 19 de julho de 2011.