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Artigo: “Domésticas, remanescentes da escravidão no Brasil?”

 Por muitos anos, tenho refletido sobre o trabalho doméstico no Brasil. Ainda bem jovem, observei que deve existir uma ponte entre a categoria de empregadas domésticas e a escravatura, cuja abolição foi comemorada  no último dia 13.     O primeiro item que sempre me chamou à atenção foi a cor. Em todas as casas que utilizam essa mão-de-obra, tenho observado quase a absoluta escassez de pessoas de pele clara. Em toda a minha vida, recordo-me agora de apenas duas trabalhadoras assim. “Por quê?”, sempre me perguntei. Nunca obtive resposta convincente, exceto que existe elevado preconceito contra mulheres negras, às quais não restaram outras ocupações maciças na sociedade senão o do serviço doméstico.     Em aprofundado estudo sociológico, que desconheço, talvez seja possível estabelecer uma linha direta desse antecedente africano escravizado no Brasil e essas devotadas colaboradoras dos nossos lares. Todavia, mesmo à míngua desse minudente estudo antropológico, não é difícil ligar tais mulheres à matriz escravagista brasileira. Certamente, negras brasileiras descendem daquele triste momento social. Aliás, não é apenas a cor em si mesma: existe também o traço do trabalho. Nos tempos de escravidão, eram os negros que serviam às ricas famílias brancas. Ao que me parece, a mulher negra brasileira permanece na cozinha, cuidando de crianças e “administrando” muitos lares. Minha reflexão enxerga um liame claro dessa condição.     Curiosamente, o serviço doméstico ainda sofre falta do devido reconhecimento. A organização sindical é fraca ou inexistente. Garantias trabalhistas estão sempre abaixo do feixe mínimo legal garantido a outras categorias. E o que falar da relação de subordinação entre empregadas domésticas e patroas? Aponte-me outra categoria que vivencie essa relação tão de perto, onde a sobrejornada, a exploração demasiada da força de trabalho e até mesmo a intimidação e a humilhação sejam tão recorrentes.     No arranjo social pós-“libertação”, negros não tinham aonde ir. Seus parentes remotos não escravizados ou mortos estavam na distante África. O jeito foi permanecer sob a “proteção” dos seus antigos senhores. Não é diferente a condição das empregadas negras brasileiras: elas moram longe do centro das cidades, vivem mal, em sua grande maioria. Elas são as brasileiras que têm as maiores sobrejornadas, jornadas duplas de trabalho, pois, depois de esgotarem suas energias em lares alheios, precisam continuar trabalhando quando chegam em casa. Lavam, cozinham, cuidam de inúmeras tarefas domésticas. Dormem pouco.   

 Rui Raiol é escritor 

Publicado no jornal O liberal em 16/05/2023
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