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Artigo: “Um mundo, dois olhares”

A vida é uma questão de perspectiva. Eu li que um casal sobreviveu a um grave acidente aéreo, ambos ficaram muito sequelados. Porém, enquanto a mulher, com múltiplas necessidades, cantava agradecendo por haver escapado da morte, o marido, cadeirante, praguejava por ter resistido.     Apresente o mesmo problema a duas pessoas com idênticas chances de resolvê-lo, e verá que um pode considerar a possibilidade de vitória, ao passo que o outro apostará na derrota. A perspectiva do desafio é contemplada por prisma diferente, sendo que a dificuldade figura em polos opostos, sendo ameaça fatal para um e estímulo de superação para outro.     A nossa linha de resolução de problemas está no campo da possibilidade. Para ser classificado como possível de solução, o fato que nos desafia pode ser algo que, ainda que hipoteticamente, possa ser vivenciado por outra pessoa no mundo. Basta uma. Sendo algo dessa natureza não transcendental, tudo bem, estamos perante um desafio comum, resolúvel.     Isto não é simples, claro. Às vezes, temos a impressão de que o fato desafiador só acontece conosco. Quando eu era criança, imaginava que alguns dos meus sofrimentos eram únicos. Viver circunscrito em nosso mundo aflitivo gera essa falsa impressão. Lutas muito graves têm o poder de nos afastar da realidade, se deixarmos.       Quando estamos debaixo de uma tormenta no mar ou mesmo sob fortes chuvas na terra, a nuvem espessa fecha completamente o horizonte. De repente, parece que o mundo inteiro está sob o temporal. Engano. Há uma fronteira. Não muito longe, o Sol pode estar brilhando sobre um céu límpido.     A vida é mesmo uma questão de perspectiva. A gente pode escolher, mas nem sempre. Ao longo do tempo, percebo que existe certo condicionamento na forma como olhamos o mundo. Para alguns, é relativamente fácil serem otimistas; a outros, uma tarefa espinhosa. Suas veredas mentais parecem minadas de perigos constante. Mesmo assim, creio na possibilidade de avanço.      Naturalmente, jamais enxergaremos pelo prisma alheio, nem flores nem dores. Carregamos genótipos valentes e tímidos. Não temos como igualar nossas cargas. Nascemos com códigos estabelecidos. Mas a verdade também é que conseguimos pensar o nosso próprio pensamento, não sendo simples engrenagens mecânicas.
Rui Raiol é escritor e membro da Academia Vigiense de Letras 

Publicado no jornal O Liberal em 25/04/2023


E-mail: ruiraiol@gmail.com