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Artigo: “O homem subjetivo”

A conduta humana tem dois aspectos, objetivo e subjetivo. O primeiro, pertence ao campo da perceptibilidade; o segundo, ao foro íntimo. Não é tarefa fácil tentar imiscuir-se neste último, de modo a perquirir com acerto o que determinada pessoa desejou fazer ou deixar de fazer. 

            Penso que toda a diferença que existe entre pessoa e pessoa vem justamente do resultado dessa difícil equação do seu aspecto objetivo e subjetivo. Todo o nosso engano. Acerto. Convicções. Eis um conhecimento muito difícil de alcançar. 

            Na esfera do crime, a ação só pode ser punida quando adentra o recinto do prejuízo a terceiro, quando de alguma forma o pensamento ganha vida através do corpo. É assim que pensar mal e arquitetar crimes terríveis é isento de punição. O pensamento é livre. A identificação das ideias só é exigida quando exteriorizada. 

            Mesmo assim, excetuadas condutas a que a lei atribui conteúdo puramente objetivo, típico das relações contratuais, onde o que pensamos acerca de débito e crédito é um indiferente jurídico, em outras esferas do direito, tem grande peso o elemento volitivo, a vontade, a intenção, a subjetividade. É o caso das relações entre o Estado e seus agentes, é o caso, e muito forte, no âmbito criminal da conduta. 

            Assim, não basta um servidor deixar de comparecer ao trabalho por trinta dias para caracterizar abandono de emprego. O STF há decidido fartamente a necessidade de se investigar o elemento subjetivo da conduta, se, de fato, era intenção do funcionário abandonar suas tarefas públicas. Neste caso, a mera objetividade não basta. 

            De modo mais forte, como dissemos, o direito penal não se satisfaz apenas com a objetividade da ação do delinquente. A criminologia deve investigar o animus do sujeito. Dessa pesquisa, sairá a classificação de uma ação culposa ou dolosa. Neste aspecto, não é suficiente o agente cumprir o tipo “matar alguém”, como descrito objetivamente no Código Penal. A investigação deve avançar para o âmago da subjetividade humana, clarificando, por provas objetivas, que o indivíduo quis sim praticar o delito. 

            O homem é subjetivo. A subjetividade é o nosso motor. O que exteriorizamos são lampejos desse mundo interior. Essa fórmula é difícil, como dissemos. Excetuado o aspecto patológico, terreno onde a vontade perde relevância para quem deseja conhecer o outro, só conhecemos uma pessoa por meio da conduta, aqui compreendida enquanto ação ou omissão. 

            O homem é subjetivo. Todas as aparências da matéria podem nos enganar. “Anjos” podem se revelar demônios mais tarde, gente que não nos pareça tão agradável, depois poderá ser dócil companhia em nossa jornada. Não, não lidamos com formas e cores, lidamos com pensamentos, ideias, lidamos sempre com o desconhecido. 

Rui Raiol é escritor

Publicado no jornal O Liberal em 7/2/2023

E-mail: ruiraiol@gmail.com