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Artigo: “Parabéns, imortais de Vigia!”

 6 de janeiro de 1616. O dia nascia igual na aldeia do Uruitá. De repente, um vulto tinge o conhecido horizonte à direita além do rio Guajará-miri. Silvícolas aproximam-se silenciosos. Atendendo ao chamamento da estranha miragem, fitam o olhar ao nível do fio d’água de onde agora emergem mais e mais pontos misteriosos.      Como ávidos guerreiros, os Tupinambás juntam-se, encostam-se, enquanto seus corpos, sem regência, iniciam uma lenta e harmoniosa coreografia de guerra. Agora os pontinhos do horizonte ganham forma. São muitos. Altos. Velozes. Enquanto o exército autóctone se arma, olhares mútuos indagam, sem resposta, uma explicação àquela cena. Não houve: era o “jus imperii”, o poder do império português que chegava com Francisco Caldeira de Castelo Branco para consolidar a dominação da coroa lusitana nestas pairagens. Historicamente, era a fundação de Vigia.      6 de janeiro de 2023, quatrocentos e sete anos depois, estou em Vigia. Quatro da tarde. Estou no antigo “Trem de Guerra”, palco da mortandade maior da Cabanagem, no mesmo recinto onde Pedro Raiol tombou inerte, deixando seu renovo na figura nobre de Domingos Antônio Raiol, o Barão do Guajará, uma das mentes mais brilhantes deste solo de Vigia.     A sessão começa. O antigo prédio colonial, agora sede do Legislativo, está superlotado. Apesar do inverno amazônico, está quente. Muito. Mas não é culpa exclusiva do Sol, a indumentária colabora bastante: todos ali em traje social. Terno. Gravata. Longos vestidos. Mulheres cobriram os poros da face com belas maquiagens. Elegantes. Altaneiras. O salão tem aroma de festa, dessas “eau du parfum” que faz até vigiense fazer biquinho.     À mesa, alguns vestem toga, opalandas, para ser menos claro: são membros da Academia Paraense de Letras que chegaram de uma viagem de 407 anos para uma missão nobilíssima nesta tarde. Ao centro, o presidente do silogeu paraense, o imortal Ivanildo Alves, nobre mestre de Direito Penal cujas turmas tive a honra de substituir na UFPA. Está ladeado de Flávio Quinderé, Luiz Ernane Malato, Sarah Rodrigues e do vigiense também imortal José Ildone Favacho Soeiro.     Começa a sessão. O presidente da Academia Paraense de Letras empossa os primeiros acadêmicos vigienses e passa a palavra ao poeta Raul Lobo, que regerá uma longa e majestosa sinfonia nesta tarde de 6 de janeiro. Então, a peça entra no seu movimento mais forte, digno dos mais altissonantes címbalos, címbalos bem conhecidos dos vigienses, acordados desde o berço  pelas alvoradas das bandas União e 31 de Agosto.      Um a um, imortais vigienses vão sendo chamados. Um condutor os espera à porta de acesso ao salão nobre. A cena é apoteótica. Então, presta-se o juramento. Padrinhos e madrinhas são chamados para vestirem a opalanda nos novos acadêmicos paraenses. Ouvem-se aplausos, “vivas”. Ouvimos discursos tocantes. Ouvem-se poesias. “Maranata!” Parabéns, Vigia, pela fundação de tua academia de letras.      

Rui Raiol é escritor

Publicado no jornal O Liberal em 10/01/2023

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