Artigo: “A natureza transitória dos cargos públicos”
Domingo último preenchi os requisitos para a aposentadoria. Depois de quase quarenta anos no Serviço Público, mais uma vez sou lembrado que ocupo um espaço transitório. Quando ingressei na extinta SUCAM, em 4 de julho de 1983, havia historias de vacâncias. Mais tarde, em 29 de outubro de 1992, a Justiça Federal no Pará recebeu-me com notícias de colegas que haviam partido recente. Às vezes, a festa da investidura em certo cargo público rouba-nos a consciência desse processo. Os cargos públicos não são de ninguém, pertencem ao Estado. É este que os cria e os extingue. Pessoas naturais têm natureza diversa, nascem e morrem por eventos comuns aos mortais, jamais podem interferir no processo de “vida” da pessoa do Estado cuja existência é uma ficção, resultando do acordo de vontades coletivas de dada sociedade. O ser humano, mortal, precisa compreender o caráter precário de sua investidura em cargos públicos. A regra é genérica, vale para cargos providos por meio de concurso público, elegíveis e comissionados. Assim, é sábia a declaração de alguém que, indagado qual seu cargo ou função pública, responde: “eu estou no cargo tal”, e nunca: “eu sou assessor disto ou daquilo”, ou: “meu cargo é…”. Eis a regra de ouro porque, ainda que perdure a ocupação, chegará o dia em que o Estado não irá mais tolerar a permanência dos concursados na ativa e lhes decretará a aposentadoria compulsória. Qualquer apego exagerado ao cargo público será prejudicial a seu ocupante. Para tudo na vida precisamos da sabedoria do Eclesiastes, segundo o qual há tempo para todas as coisas. A ocupação transitória de cargos públicos é a que melhor se adequa aos princípios jurídicos da isonomia, impessoalidade e continuidade na administração pública. Enquanto guardião do tecido social, o Estado há de cometer condições de igualdade para seus cidadãos. Por mais preparado para ocupar determinado cargo público, ninguém pode ter um tratamento supralegal. Neste caso, a lei precisa ser observada no tocante às condicionantes à ocupação da vaga pública, onde o tempo dessa ocupação tem acentuada relevância. Quando ingressei no Serviço Público, em 1983, eu tinha um vínculo celetista. Ao contrário dos demais colegas, faltava-me efetividade. Anualmente, assinávamos um contrato regido pelas leis comuns à iniciativa privada. Eu nunca liguei para isto, pois, sendo o dinheiro um bem de natureza infungível, não havia diferença monetária entre as cédulas que recebiam efetivos e temporários. A lotação nos cargos públicos rege-se pelo princípio da impessoalidade, isto significa que ingresso, permanência e desocupação desses espaços não podem variar de acordo com preferências, vontades ou caprichos de seus ocupantes nem de administradores públicos, vigora o princípio da legalidade: manda o que estava previamente escrito sobre o tema.
Rui Raiol é escritor
Publicado no jornal O Liberal em 20/12/2022
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