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Artigo: “Etnocentrismo na Copa”

     O etnocentrismo é um conceito antropológico que tem a ver com uma visão do mundo a partir de determinada cultura local. É uma espécie de lente que só consegue enxergar o mundo a partir dos valores próprios de um povo. É um fenômeno cujo processo de formação é longo e resulta de múltiplos fatores socioculturais. Praticamente todos os povos apresentam características etnocêntricas.     Se você olhar para o mapa político da Terra, precisará enxergar além das linhas geodésicas, pois estas linhas políticas são apenas uma espécie de barreira de contenção humana, assim como as elevadas paredes de uma comporta. Ao olhar para esse mapa, devemos focalizar uma infinidade de elementos culturais únicos, expressados por meio da fala, do pensamento, visão de mundo, religião, em suma: uma interpretação particular do significado da Terra e do céu.       Em cada pedacinho desse quebra cabeça, impera o etnocentrismo, como o verdadeiro coração de um povo. Neste princípio do texto, preciso dizer que não estou fazendo qualquer juízo de valor sobre referido fenômeno, mas tão somente tentando identificar esse sistema que irriga e dá vida a um povo, sendo o coração e o mapa genético dele.     Olhando a Copa do mundo, vemos uma competição cujo substrato e estímulo principal está no etnocentrismo. É assim que a Copa não é apenas uma competição de habilidade no futebol, porém, um confronto amistoso entre povos que, em campo, deixam correr em suas veias a força própria que os conserva culturalmente vivos e, com isso, demonstrar perante o mundo que são fortes e superiores. Por este prisma, o etnocentrismo é fundamental para existência de um povo, sendo, neste aspecto, uma espécie de autoestima coletiva de uma nação. Portanto, sem esta visão positiva do etnocentrismo, não haveria estímulo para competir.     Ocorre que o etnocentrismo, por sua vez, se não passado pelo crivo da autocrítica de um povo, pode levá-lo a ver o outro socialmente inferior, cujos conceitos culturais  estariam errados e, numa abordagem fundamentalista, precisariam até mesmo serem modificados, “catequizados” e convertidos ao modelo do olhar de origem. Aqui, surge o conceito da xenofobia, onde o povo estranho necessita passar necessariamente por um processo de aculturação que modifique os seus valores de certo e de errado conforme o olhar xenofóbico. É este olhar que leva missionários a impor modos de vestir, de alimentação e até a exterminação de idiomas nativos dos seus catequizados.     Na presente Copa do mundo, sediada por um país de cultura diametralmente oposta ao mundo ocidental, era esperada muita insatisfação, tanto do Catar mulçumano, quanto de muitas nações cristãs. Estranhamente (fazendo aqui uma análise bíblico-cultural dos valores cristãos de raiz), propagados cristãos atuais reivindicam “direitos” de consumir bebida alcóolica, fazer festas e usar trajes proibidos  naquele chão de petróleo. Ao pensarem assim, revelam-se tão xenofóbicos quanto seus críticos catarenses.

Rui Raiol é escritor

Publicado no jornal O Liberal em 29/11/2022

Site: ruiraiol@gmail.com