Artigo: “A barreira da mente”
Existe um obstáculo invisível no mundo. Graças a ele, sobrevive a humanidade. Ao passo que o homem é o ser mais evoluído da Terra, esta espécie poderia se autodestruir não fosse a natureza secreta e inviolável do pensamento. “O quê você está pensando?” representa a tentativa e a ameaça mais séria de furar essa bolha de invisibilidade, pois a negativa em responder garante a inviolabilidade total de qualquer pensamento. No estudo do crime, pensar não é delito. Assim, o sujeito pode passar dias arquitetando as piores tragédias, mas, se não revelar suas ideias nocivas, nem de mínimo executar seu plano macabro, nenhuma ilicitude haverá. É assim que o pensamento, mesmo em um mundo globalizado, constitui o ultimo reduto de nossa privacidade. Graças a essa natureza inviolável do pensamento, famílias convivem. O ser humano consegue viver em grupo social, é possível o homem conviver com multidões ou fechado em ambientes mínimos de um elevador ou uma cela de prisão. Imagine a cena de um grande público reunido em um teatro ou catedral. Imagine salas de recepção cheias de pacientes. Imagine praças, shoppings. Imagine comigo o que seria tornar públicos os pensamentos de todos por um momento. Solenidades poderiam acabar em briga. Cultos religiosos poderiam não acontecer mais. É a barreira da mente que nos protege dessa exposição e nos faz cumprir regras de etiquetas e protocolos como se concordássemos ipsis literis com eles. O mundo sobrevive graças a essa barreira de incomunicabilidade. Podemos não gostar de sorrisos amarelos, porém, com certeza gostaríamos menos dos pensamentos dos sorridentes, pois apesar da mímica, gestos e posturas informarem algo negativo em determinados momentos, se não for revelado, nunca iremos saber o que outro pensa. O pensamento exteriorizado é apenas a ponta do iceberg. Se “penso, logo existo”, esta existência é massivamente secreta. Uma percentagem mínima mesmo é revelada de nós. Somos um ser pensante acentuadamente de natureza íntima. Assim, somos para o mundo apenas o que externamos por meio do nosso corpo. Somos um ser que pensa e repensa toda hora, mas se dá a conhecer apenas um pouco. Sendo assim, jamais conheceremos o outro. Conhecemos o que foi dito por meio do corpo. Acontece que, além disto representar uma fração mínima do que somos, esse fenótipo pode estar falsificado. Para sermos conhecidos, necessário seria quebrar a barreira da mente. É assim que Deus é o único que nos conhece, posto que é o Onisciente.
Rui Raiol é escritor
Publicado no jornal O liberal em 22/11/2022
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