Artigo: “Aré, meus irmãos! Égua!”
Pensei em escrever hoje sobre algumas expressões peculiares do povo paraense.
Eu digo “aré!” quando vejo um paraense que não fala “égua”. Aré é uma expressão falada na região de Vigia, minha terra natal. Não tem tradução, mas tem valor de interjeição de incredulidade ou de espanto. Equivale a mais ou menos isto: “Aré! O que tem de mais o Carnaval falar sobre Exu? Grande coisa! Complicado seria a igreja desfilar isso. Por que os crentes não fazem o que devem fazer e falam do amor de Deus? Égua!”
Calma, já lhe explico: no Pará, “égua” é uma palavra com várias aplicações. Não me peça para falar da origem simbólica, pois há divergência. Quando dita de modo áspero, expressa raiva ou contrariedade: “Você não sabe que só bebo açaí com tapioca por causa do meu dente furado? Por que não comprou, João? Égua!”, brada a mulher, indignada com o marido.
Mas também “égua” pode indicar alegria paraense: “Égua do açaí! Obrigada por lembrar da tapioca! Você é o marido perfeito”, diz a falsa. Agora, se o nosso petróleo estiver muito bom mesmo, a mulher invoca o genitor da égua com rapidez, assim: “Égua do açaí pai d’égua! Só faltou aquele camarão, amor!”, diz a inconformada. Há, ainda, o uso de “filho da égua” e, em casos extremíssimos, do “filho de uma égua”, mas deixemos as ofensas para outro dia.
“Égua! Você viu? Hoje, algumas igrejas são pintadas de preto e ainda apagam a luz durante o culto. É-gu-a! Não acredito nisso! Parece uma balada. Me responda: isso é coisa da luz ou das trevas? É-gu-a!!” Falo agora como bom um parauara chateado ou confuso. Desta vez, eu parto a égua em três pedaços sem dó, forçando sílaba onde não tem: ‘’E-gu-a!!”
“Apagamos as luzes para os jovens se sentirem livres, em casa”, defenderiam alguns, e eu retrucaria ainda mais confuso: “assim ‘livres’, como? E a casa não é mais de Deus também? Tá cheiroso!”.
“Tá, cheiroso!” é um repelente verbal paraense. Indica oposição de ideias, contrariedade. É empregado quando uma proposta de terceiro é vista como algo impertinente.
“Eras-te! Algumas igrejas vão precisar de lanterninha.” “Eras-te” é uma forma pessoal do “eras”. Esta é uma interjeição de intensa dúvida e admiração. Deriva de égua. “Eras de ti! Nem te lembraste do meu aniversário! Hebe!!”, diriam, por fim, as moças mais chiques, já estão no terceiro nível do “égua”.
Rui Raiol é escritor
Publicado no jornal O Liberal em 17/05/2022
E-mail: ruiraiol@gmail.com