Ao escovar os dentes, um forte gosto de ferrugem enche a minha boca: um deslize no fio dental lacerou levemente a gengiva. A cor da água é vermelha, mas eu tenho certeza que é ferro, o mesmo mineral presente nas colunas e vigas que sustentam a casa onde moro. Mas, afinal, como esse ferro chegou às minhas veias?

Sempre fiquei impressionado como a vida na Terra e como todo o nosso progresso está associado ao depósito de minerais do planeta. A Terra tem de tudo, mas esse “tudo” parte do modelo de vida, catalogação de minerais descobertos e progressos alcançados. Daí, pergunto: e se não tivéssemos todos os minerais fundamentais ao mundo industrializado? Como seria este mundo?

Nesse caso, a História prova que a nossa vida seria parecida com a Idade da Pedra (isto se houvesse pedras que pudessem ser lapidadas hoje). E se houvesse dezenas de outros materiais relativamente tão importantes hoje quanto ao ouro e ao alumínio? Bem, concluo que teríamos “outro mundo”, com outras coisas, outras ciências, outras formas de pensar.

Foi manipulando o ferro que a humanidade inaugurou as “idades” dos metais que nos trouxeram até o “Vale do Silício”, elemento importante na fabricação de computadores e derivados. Mas, de onde veio todo o depósito de Carajás, o devorado manganês do Amapá e o ouro de Serra Pelada?

Hoje, todos sabemos que, em seu processo de formação de 4,5 bilhões de anos, a Terra foi bombardeada de meteoros, cometas, asteroides e, segundo a Astronomia, colisões com outros corpos celestes até do tamanho da própria Terra. E o ouro, especificamente, de onde veio? Sempre tive curiosidade.

Hoje, a ciência explica que elementos como carbono e ferro vieram da morte de um grupo de estrelas, depois que estas queimaram todo o hidrogênio e o hélio. Entretanto, o ouro requer algo mais específico, uma temperatura tão alta que só acontece durante a explosão de estrelas conhecidas como Supernovas. Ultimamente, sabe-se também que o ouro pode estar associado à colisão de estrelas de nêutrons, os corpos mais densos do Universo.

Somos feitos do pó da Terra, com toda a certeza o Gênesis está correto. Fazendo um mineralograma a partir de uns fios de cabelo há alguns anos, pude ter a exata quantia de cada mineral presente no meu corpo. Temos de tudo: manganês, carbono, ferro, alumínio, cobre, zinco, fósforo. Prata e ouro. Você sabia? Em nossas veias também corre ouro líquido, graças a Deus em pequeníssima quantidade, suficiente para nos livrar de criminosos.

Então, agora compreendemos que o ouro que veio do céu não é necessário apenas para fabricar alianças e o recém telescópio James Webb, mas a vida é feita do mesmo depósito que enlouquece os que pensam ser donos de alguma coisa na Terra. Não. Antes de descobrir a primeira jazida de ferro e forjar a primeira lança, a primeira roda, o homem primitivo já possuía em seu corpo todos os minerais necessários à vida, incluindo prata e ouro.

Rui Raiol é escritor

Publicado no jornal O Liberal em 12/04/2022

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