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Artigo: “Vivendo entre gerações”

Somos árvores nesta grande floresta. Quando nascemos, tenros, olhamos com encanto gigantescas espécies. Não demora muito, eis novos brotos ao nosso lado. A vida e a morte são grandes formadores da nossa consciência e da nossa maturidade. São faróis cuja luz nos tiram da candura de uma vida eterna terrena, ondas que nos arremetem de vez ao grande mar interior da existência.

        Sob aspecto prático, todos somos cuidadores, cuidadores de crianças, cuidadores de senis. Curiosamente, o ser humano, o mais evoluído, é um animal que não sobrevive sem um cuidador nos primeiros anos. Depois dos cuidados básicos que garantam a vida, o homem seguirá dependente de instrutores, médicos e conselhos. Sempre há alguém cuidando da gente.

        Em minha biografia, não tive família. As árvores que deveriam estar lá quando me entendi, não estavam, mas havia outras cujas sombras me confortavam: meus avós maternos e alguns tios. Eles cuidaram de mim como puderam. Ainda com cinco anos, vi algumas dessas árvores tombarem. Meu avô foi primeiro, depois meu tio. Fiquei morando apenas com a minha avó.

        Cardíaca, extremamente pobres, ainda com essa idade entendi que temos um chamado para cuidar um do outro. Minha avó passava mal constantemente e só havia eu, uma criança para cuidar ou correr desesperado à procura de um adulto que nos socorresse.  Não demorou muito, ela partiu.

        A principal lição da vida é esta. Não estranha por que a pergunta divina no Éden, afinal, havendo apenas dois irmãos ali, era natural que se cuidassem. A resposta desaforada “sou eu o responsável por meu irmão?” ratifica esta assertiva, até porque Abel era mais novo. Sim, é natural que mais velhos cuidem dos mais novos até certo ponto.

        Alguém já disse que sabemos que estamos envelhecendo quando deixamos de reclamar dos mais velhos e passamos a criticar os jovens. Realmente, é muito difícil nos livrarmos dessa crítica. Eu vejo pessoas que aprontaram todas na juventude e agora querem que os jovens se comportem de modo exemplar. 

            A bem da verdade, a maturidade é um valor exigível de quem viveu mais. Existem comunidades que proíbem o namoro tradicional, devendo os candidatos passarem antes por uma fase chamada “amizade comprometida”, tempo em que não deve haver beijos nem abraços. Santa hipocrisia!

        Se você é pai, não deixe de separar tempo para os seus filhos. Se você é filho, e quem sabe já tem os seus também, não deixe de separar algum tempo para os seus pais.

          A vida é uma estrada de mão dupla. Vivemos entre gerações. Alguns regressam mais cedo, outros demoram um pouco, mas todos voltarão. Ao tempo disto, outros estão chegando, outros estão crescendo. Sempre haverá necessidade de um cuidado mútuo no mundo. Feliz é quem compreende isto.

Rui Raiol é escritor

Publicado no jornal O Liberal em 05/04/2022

Email: ruiraiol@gmail.com