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Artigo: “Fronteiras, sorrisos com ranger de dentes”

Fronteiras são linhas políticas que dividem o mundo. Existem desde tempos imemoriais, desde que o homem abandonou o nomadismo. Naquele alvorecer da civilização, não interessava repartir a terra. O mundo era de todos, sendo o homem guiado pelas suas necessidades de alimentação e abrigo.

Certamente, na fase nômade, a visão territorial humana não diferia muito de outras espécies animais. A noção de território provinha do direito natural de precedência. Quem chegava primeiro, tinha a prerrogativa de expulsar retardatários, tinha o direito de despojar a terra durante os deslocamentos do grupo familiar.

Portanto, se quisermos saber como o homem lidava com a ideia de fronteiras naquela distante era, teremos de olhar animais na natureza ainda hoje. Leões parecem livres na África. Aves parecem ter o céu inteiro para voar, mas não é bem assim. Mesmo não se fixando na terra, como nós passamos a fazer de modo tão detido, animais movem-se livremente dentro de territórios. Geograficamente, eles também obedecem a fronteiras, algumas delas fixadas há milhares de anos pelos seus patriarcas.

Mas, nenhum ser especificou a linha de fronteira quanto o homem. Somos delimitadores do espaço. Isto começa na rua onde moramos, com casas, prédios e apartamentos que funcionam como verdadeiras nações familiares, pois, muito embora dividamos o mesmo espaço horizontal ou vertical com vizinhos, desenvolvemos um elevado grau de privacidade e território que faz cada casa parecer um mundo particular à parte.

Um rápido sobrevoo na Terra, e eis um mundo estranho a esse capricho humano. Rapidamente, nossa visão aérea nos apresenta um mundo único, onde rios, lagos, montanhas e ruas não apresentam nenhuma linha divisória.

O mundo sofreu e continua sofrendo muito com essa visão de repartição da Terra. Muros e muralhas têm sido erguidos para apontar com clareza até aonde o homem pode ir. Foi assim na China, URSS e EUA. Quem detém mais poder, sente-se no direito de dominar territórios. Eis a atual luta entre Estados Unidos e Rússia.

A questão de fronteiras é bem mais complexa, revelando o amadurecimento alcançado pelo ser humano ao longo dos tempos. Fronteiras são linhas territoriais tão primitivas quanto à idade da Terra, têm a ver com a natureza animalesca do homem. Têm a ver com a capacidade humana de ceder, compartilhar, conviver e pactuar. É uma forma convencional de ranger os dentes com um sorriso.

Rui Raiol é escritor 

Publicado no jornal O Liberal em 8/2/2022

E-mail: ruiraiol@gmail.com