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Artigo: “O desafio da invisibilidade”

A invisibilidade é um dos itens mais importantes da vida. Material, o mundo perde forma quando o pensamos enquanto energia. Na verdade, o próprio Cosmos não se percebe completamente pela aparência. Hoje, a ciência sabe que a porção imaterial do Universo é tão importante que chega a superar o que pode ser percebido pelos nossos sentidos.

Não obstante, olhando pela janela do nosso quarto, uma manhã iluminada esconde o mundo diante de nós. O que vemos à frente? Nada, além das nuvens, céu azul e quem sabe a pálida Lua. Todavia, bilhões e bilhões de astros estão invisíveis diante dos nossos olhos, bilhões invisíveis pela presença do Sol, bilhões invisíveis pela distância que nos separa deles e outros tantos bilhões invisíveis porque deles não escapa a luz. Durante apenas um dia, passeamos pela rota dos movimentos de translação e rotação da Terra espreitados por bilhões e bilhões de astros invisíveis.

A invisibilidade está presente no que há de mais importante. Não enxergamos as moléculas da água nem a fórmula que respiramos. O ar preenche todos os espaços vazios ao nosso redor, porém, não vemos nada. Estamos flutuando nesta grande bolha, porém, é como se nada existisse. Esse mundo gasoso, tão vital para nós, passa despercebido, pois respiramos por instinto sem quase perceber o fenômeno.

A luta do homem tem acontecido muito no campo da invisibilidade natural. Até Pasteur, o mundo não acreditava nos germes, pensava-se em infecção sem imaginar um ser vivo infectante. A humanidade tem sofrido a mazela do mundo etiológico invisível. Vírus, bactérias e outros seres invisíveis ao homem comum mataram muito e continuam matando.

Emoções e sentimentos estão no campo da invisibilidade. Alguém é capaz de armazenar todas as sensações negativas, que assim permanecerão invisíveis a menos que isso opere alguma mudança no mundo fenomenal. Ninguém vê o amor nem o ódio, vemos os frutos, não a semente, não o processo de crescimento. É impressionante que emoções e pensamentos, justamente na porção que nos separa dos demais seres, pertençam ao campo da invisibilidade.

Somos um ser invisível. Não é verdade que nos conhecem, conhecem um pouco, o corpo, alguns. Nós não somos o que é visto e percebido. Somos invisíveis, somos uma pessoa que se esconde por detrás dessa metamorfose ambulante, como diria o artista. E o choque entre humanos provém em parte dessa incógnita. Quantas vezes fazemos algo que não corresponde a nós mesmos? Quantas vezes nos arrependemos de um gesto, de uma voz, de um silêncio? Como explicar este ser invisível a quem se guia pelos sentidos da matéria?

Cada um de nós nos percebemos à parte do nosso corpo. Somos aquela criança muitas vezes, não obstante as rugas acusem a presença de um ancião. Gostamos de rir como no passado, mas a sociedade estabeleceu tabelas rígidas para as devidas faixas etárias. Queremos contar uma piada inocente, porém o mundo visível é quem aprova ou não. Interiormente, somos um ser invisível, é isto que nos move a rir, chorar e pensar, todavia o mundo não nos vê. Para o mundo, somos uma porção de matéria, um corpo, seja magro, seja gordo, seja preto, seja branco.

Afirma-se que o ser humano é tricotômico, corpo, alma e espírito. Porém, é o corpo que pode um pouco ser conhecido. A alma seria a vida, o animus. Mas onde se esconde essa parte? Seria a química corporal? Não sabemos. E o nosso espírito? Onde está, como ele é?  Não sabemos, é invisível justamente a porção que nos conecta a outro mundo, o mundo de Deus, Espírito invisível, ao mundo dos anjos.

Rui Raiol é escritor.

Publicado no jornal O Liberal em 1/2/2022

(E-mail: ruiraiol@gmail.com)