Artigo: “Pedras da Eternidade”
A crença na vida pós-túmulo é o principal arquiteto do mundo e sua ferramenta é a fé. Olhando o magnífico acervo da cultura egípcia, concluo que toda essa riqueza não existiria sem isto. Pedras da Eternidade.
A crença na Eternidade molda o mundo, produzindo os mais fascinantes registros da existência do homem sobre a Terra. No longínquo Camboja, desponta, sem dúvida, um dos maiores e rebuscados templos. Angkor Wat impressiona pela sua grandeza e pelos desafios de sua construção em terrenos pantanosos. Serpenteando montanhas mortais, erguem-se santuários hindus. O que levou seu povo a edificar em lugares tão remotos e inacessíveis? Certamente, a mesma fé que brasileiros tiveram para subir o Corcovado e erguer o Cristo Redentor. Pedras da Eternidade.
O Mundo seria um grande vazio arquitetônico e cultural sem a fé. Pense comigo como seria se não tivéssemos os santuários cristãos, desde a Basílica de São Pedro até a menor capela antiga. Pense como seria, caso não existissem antigos templos budistas, muçulmanos e judeus. Talvez pensemos que não fariam tanta falta, mas, a grande questão é que milhares de anos seriam apagados da história, além do que, quando me refiro a templos, penso também em toda obra, material e imaterial que se encontre relacionada direta ou indiretamente com a figura do santuário enquanto centro de culto.
Ficamos assombrados com a riqueza arquitetônica e cultural dos povos antigos cujo representante máximo é o Egito. Não faz muito tempo que as pirâmides de Gizé foram superadas em altura pela Torre Eiffel. O Egito é um baú de história, e praticamente tudo que foi produzido ali e chegou até nós teve como ferramenta a fé, a crença na vida depois da morte. Caso o Egito fosse ateu, não haveria pirâmides, sarcófagos e uma portentosa riqueza arqueológica. Esta ideia pode ser comprovada durante o governo do faraó Aquenáton, que, possuído de uma cólera contra a religião dominante, trocou o panteão egípcio pelo Sol. Essa tentativa de derrubar ao que chamo aqui de pedras da Eternidade resultou em um grande vazio histórico e cultural de seu período e na tentativa impressionante de seu povo riscá-lo da história.
Fico impressionado com o poder que a fé tem de moldar o mundo. Uma sociedade sem fé parece-nos uma sociedade morta. A crença na vida pós-túmulo nos empurra para frente. Tem o poder de extrair do ser humano o melhor de sua capacidade produtiva, não apenas na arquitetura, mas também na música, literatura, artes plásticas, etc. O barroco é um grande exemplo. Altares foram minuciosamente trabalhados. Handell compôs “O Messias”. As palavras foram esculpidas com arte. Eternidade. Foi esta a inspiração de Michelangelo ao pintar a Capela Sistina e esculpir Moisés. Sem a crença na Eternidade, o mundo seria um grande vazio artístico e cultural.
Rui Raiol é escritor.
Publicado no jornal O Liberal em 18/1/2022
(e-mail: ruiraiol@gmail.com)