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Artigo: “A justificação doméstica para o erro”

Por justificação, termo de natureza jurídica, entendemos o processo de declarar justo determinado fato social. Com a aplicação extensivamente a outras áreas do conhecimento, como a teologia. Como anunciado no título, interessa- nos aqui a justificação enquanto um tipo de pronunciamento familiar que declara justas, portanto corretas condutas que outrora eram consideradas reprováveis no meio familiar.

Ao longo dos anos, assistimos a mudanças drásticas de opinião sobre comportamentos familiares, a partir das quais busca-se reinterpretar outros aspectos da vida em sociedade. Conheci um ministro religioso muito austero no princípio quanto ao que chamamos de “usos e costumes”, quais sejam condutas sociais quanto ao modo de vestir, tipo de lazer, linguagem etc. consideradas corretas e exigíveis numa certa comunidade religiosa, comportamentos esses muitas vezes reputados também como doutrina bíblica, isto é, normas imperativas.

Curiosamente a austeridade do ministro arrefeceu paulatinamente à medida em que os seus próprios filhos cresciam. Futebol, vestuário, acessórios e outros itens outrora repugnados publicamente passaram a ser tolerados. Em um primeiro momento, o púlpito silenciou nos conhecidos “cultos de doutrina” para, depois, adotar uma apologia a comportamentos antes apregoados errôneos e até asperamente exigidos do rebanho. Isto valeu, por exemplo, para uma flexibilização do vestuário no recinto do culto e mesmos nas vias públicas.

Uso este exemplo para demonstrar o poder que o comportamento do grupo familiar exerce sobre a noção de certo e errado na sociedade e como a justificação pode surgir por uma espécie de necessidade, de conveniência, paz e até sobrevivência da família e como essa justificação age como uma força centrípeta interessante. Essa justificação pode caminhar desde fatos sociais mais simples até alcançar coisas muito sérias, como pecados graves pela interpretação religiosa e até crimes. Quando sabemos da existência de famílias inteiras trabalhando em atividades criminosas, imaginamos que essa justificação está na base que mantém pais e filhos na empresa criminosa. Acredito que aqui alcançamos o que chamamos de consciência cauterizada, qual seja, um estado mental onde a noção de certo e completamente relativizada.

Penso que o nosso maior desafio é, não obstante a liberdade legal e racional que temos de mudar de opinião, mantermos nossos princípios vigentes em meio estranhos ao que cremos e vivemos. Não acho que o erro doméstico tenha a força de orientar novos rumos nem de servir de padrão para a sociedade. Muito embora, a necessária prática da tolerância e  do amor, necessários a situações que escapam do modelo social, é importante que padrões domésticos sejam corretamente interpretados primeiro de per si.

Rui Raiol é escritor

Publicado no jornal O Liberal em 30/11/2021

E-mail: ruiraiol@gmail.com

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