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O que Bolsonaro não conta

Embora eu tenha muitas reservas quanto ao governo de Jair Bolsonaro, uma coisa não pude deixar de notar no discurso improvisado que o presidente fez domingo em uma igreja no Rio. Referindo-se às manifestações de rua a seu favor, citou a necessidade de agentes públicos entenderem que precisam ajudar o País a se libertar.

Essa fala de Bolsonaro foi parentética, reticente. O vazio da articulação deixava claro que o presidente estava com nomes atravessados na garganta, mas não os podia declinar. Somado esse discurso com outras falas – por exemplo, sobre o Brasil ingovernável” fora de conchavos – a sociedade começa a prestar atenção nessa mensagem silente e não verbal do presidente.

Quase em todos os círculos, exige-se que Bolsonaro defina o que a tal “nova política” que apregoa desde a campanha. Seria uma política absolutista, monologa, uma política unilateral onde só interessa o que o chefe do Executivo pensa. Parece que não totalmente.

Descontados os erros de Bolsonaro, a nova política a que ele se refere parece ter um quê de inocência, de candura, algo até mesmo estranho à arte da política. Parece que Bolsonaro trabalha apenas em nível de ideais. Assim, todos haveriam de cooperar com o seu governo sem nada esperarem em troca. Esta ideia – que não é errada – chega a desafiar até a relação entre a Divindade e o crente, relação que jamais deixa de ser fundada num bem-estar recíproco.

Ao montar seu governo, Bolsonaro parecia radicalmente contrário à partilha natural de poder com o parlamento. Ele já havia escolhido o primeiro e o segundo escalão quando alguns de seus próprios correligionários perceberam que ficariam de fora. Gritaram. Aos poucos, o presidente foi cedendo.

A construção da pirâmide do governo não é uma tarefa isolada. Todos que o ajudarão querem um lugar sob o vértice. Quem manda mais, pleiteia os andares altos, com livre acesso ao topo. Não é coisa fácil governar. Ocorre que, mesmo que Bolsonaro conseguisse construir sua pirâmide do seu jeito, do outro lado do terreno tem um grupo de mais de quinhentas pessoas que têm o poder de fazer o governo andar, estagnar e até sair de cena.

Bolsonaro não pode falar o que já ouviu nestes poucos meses de governo. Alguns encontros com lideranças políticas podem ser traduzidos como ensaios de corrupção. Se não falam abertamente, fazem promessas veladas, são artífices na arte da negociação, onde valores morais nem sempre estão na mesa. Então Bolsonaro não pode falar.

A ideia de uma “nova política” aos moldes de Bolsonaro é um projeto lento, passa pela educação do povo, não é algo que se resolva em uma geração. É por isso que a educação é tão importante. O povo precisa mudar também, se não primeiro que a classe política, pelo menos junto. Na verdade, é um processo só, uno, pois os políticos são amostras fieis do tipo de sociedade que somos.

Bolsonaro não pode contar o que já sabe. Se ele falasse, o Brasil afundaria. O caminho é insistir na mudança, ainda que pontual. Quanto ao parlamento, quase todos querem estar na pirâmide do governo. E Bolsonaro tem que saber que assim – guardadas as devidas proporções – acontece praticamente no mundo todo. Se não existe corrupção, pelo menos continuará existindo a vaidade pelo poder. Diante de desafios, vence que souber navegar sobre tempestades.

 Publicado no jornal O Liberal em 28/5/19

Rui Raiol é escritor.

(Site: www.ruiraiol.com.br)