A (RE)INVENÇÃO DA AMÉRICA
Ninguém pôde prever. Paul, o polvo profeta, já era morto. Delfos não está mais disponível. E foi assim que, exceto uma pesquisa isolada e a ironia dos Simpsons, toda a América errou quanto ao seu 45º presidente. Afinal de contas, o que aconteceu mesmo na terra do Tio Sam?
O país da estatística esqueceu de ler os efeitos da globalização. Democratas trataram a política desta eleição com a mesma ótica linear das últimas décadas. De repente, Hillary Clinton era imbatível. Trump, que jamais ocupou um cargo político, era um mal necessário. Transitório. Ele era uma necessidade contingencial, a outra chapa necessária para que a turma de Obama continuasse seu reinado. Porém, tudo desabou naquela madrugada!
O mundo está mudando. A eleição americana encontrou um mundo que já prenuncia os sinais do que haverá com o aquecimento global e a derrocada do atual sistema político. Centenas têm morrido no desespero de chegar à Europa. Oriente incendiado. Coreia a um passo da destruição. Putin cada vez mais totalitário. A globalização rompe todas as fronteiras da comunicação, mas ainda esbarra nas linhas geodésicas que separam as nações.
Trump ascendeu às eleições no momento em que toda nação da Terra começa a olhar mais seu território. A solidariedade tende a passar às linhas poéticas de organismos internacionais, a exemplo da ONU e FAO. A Alemanha cerra as portas à entrada de imigrantes. O Reino Unido paga a passagem de volta dos forasteiros para que se livre mais rápido da carga indesejada. Refugiados amontoam-se em campos à espera de uma solução que não chega.
O discurso de Trump caiu como uma luva. Enquanto abalizados pesquisadores refinavam seus estudos de uma vida político-social linear, o candidato achou um tesouro nas massas americanas sofridas. A doutrina Monroe, de 1823, preparava seu regresso de modo imperceptível. A América para os americanos. Fora, estrangeiros! Fora, regras de etiqueta! Fora o requisito da experiência política como substrato para a chefia do estado americano.
Como bem tem asseverado a imprensa, Trump veio para ficar. Ele é o contraponto que faltava nesse jogo de governos virtuais. Se chegará ao fim do seu governo, não sabemos, mas a primeira onda de uma grande mudança já se desenhou na grande praia das nações. Americanos querem a América. Cidadãos de classe média baixa estão cansados de servir de berçário de outros povos. Agora, dizem não a essa incubadora que os Estados Unidos se tornaram com o passar dos anos.
A conversa está apenas começando. Apenas no portão do jardim. Vai render muito papo, certamente. O mundo olha a América. Bolsonaro está animado. Hugo Chávez revira-se no túmulo. “Venezuela para os bolivarianos!”, celebra das profundezas da terra. Putin ganhou elogio, é melhor do que Obama, confessou o candidato Trump. Esperar o quê? Só o tempo dirá.
Historiadores que acreditam em ciclos devem estar em festa. O populismo chegou à América. Ganhou o capital, perdeu a ideologia. Ganhou a arrogância, perdeu a sutileza dos encontros protocolares. Que Deus salve a América! E, assim, salve o resto do mundo de inspirar-se em quem chega ao poder com a marca de ser acusado de moralmente violentar mulheres. Estado não é empresa, onde podemos demitir e contratar. É, também, em certa parte, porém, estado é um território plúrimo, de gente que simpatiza e odeia seus governantes. O mundo não tem fronteiras. Do alto, nenhuma linha divide povos e nações.
Mas, é tempo novo, ninguém duvide, ainda que de novo não tenha nada. A superlua que me desminta, se há 68 anos já não via esta história rodar. Espero que quando complete o ciclo, nosso astro vizinho encontre a gente mais tranquilo, sem assombrações com o futuro. Sem ameaças de muros. Sem quebra do pacto do clima. Ou podemos não ver mais o fenômeno, tamanha fuligem americana bombardeada por Trump.
Por fim, não tenham medo: Trump não é o Anticristo, embora alguns comecem a conjecturar. Não. Anticristo é dependente de ordem, a “Nova Ordem Mundial”. Com Trump, difícil pensar em alianças, em pactos com todos os povos, a meu ver, entramos mesmo numa grande desordem mundial.
Rui Raiol é escritor (Site: www.ruiraiol.com.br)
Publicado no jornal O Liberal em 15/11/2016